Em sua histórica visita aos Estados Unidos, o papa Francisco defendeu a criação de leis para proteção da família. Curiosamente, isso ocorreu em um dia de sábado (26 de setembro de 2015), no chamado “Independence Hall”, na Filadélfia, onde foram assinadas a Constituição Americana e a Declaração de Independência da nação. Ali ele pediu que se façam leis que garantam “as condições mínimas e necessárias para que as famílias” sejam fortes. O papa disse que “não há futuro sem leis em favor das famílias” (para saber mais, clique Os destinos do mundo estão sendo decididos em acontecimentos dos nossos dias aqui).
O pedido do papa fica mais claro quando é visto à luz de sua defesa do fim do trabalho aos domingos, em benefício da família. Em discurso proferido na Universidade de Molise, em Campobasso, sul da Itália, em 5 de julho de 2014, com o título “Encontro com o mundo do trabalho”, ele disse que a questão do domingo tem que ver com “conciliar os tempos do trabalho com os tempos da família”. Ele disse: “Chegou o momento de nos perguntarmos se trabalhar no domingo é uma verdadeira liberdade”.
Por outro lado, a eleição americana deste ano não tem sido uma surpresa. A religião tem exercido forte influência sobre candidatos e eleitores. Pesquisa do Pew Research Center mostrou que, para dois terços dos republicanos o presidente dos Estados Unidos precisa ter crenças religiosas bem definidas. A mesma ideia é compartilhada por 40% dos democratas.
Apesar de a separação entre Igreja e Estado ser prevista na Constituição, a maioria dos americanos acredita que as duas coisas precisam estar entrelaçadas quando o tema é a presidência da nação (veja mais em “Religion and the 2016 Presidential Election”).
Por isso, os políticos falam frequentemente sobre temas religiosos. Donald Trump tem se manifestado contra os muçulmanos por causa da religião. Ted Cruz dizia que os não cristãos são antiamericanos. Em campanha, Hillary Clinton fala claramente de sua vida devocional como metodista. O religioso Franklin Graham, afirmou pela CNN que, nesse contexto, “só Deus pode salvar a América” (leia mais em “America is overdosing on religion”).
Acontecimentos recentes e as declarações religiosas dos políticos americanos, nesse contexto, tornam bastante atual a advertência contida na frase “O preço da liberdade é a eterna vigilância”. Atribuída casualmente a Thomas Jefferson, a frase foi usada em discurso do abolicionista Wendell Phillips, em 28 de janeiro de 1852. No entanto, a lapidar expressão já era conhecida antes. De toda forma, ela expressa bem claramente os ideais de liberdade e independência da cultura americana de origem protestante. Os religiosos fiéis à Bíblia sempre temeram a emergência de um poder governamental que pusesse em risco a liberdade conquistada a tão alto custo, o que apela à vigilância.
Os desdobramentos da guerra contra o terrorismo têm levado culturas no mundo todo, não só a nação americana, a colocar a religião no centro das questões públicas e a considerar a segurança mais essencial que a liberdade. Isso tem aberto caminho para o poder político avançar no controle e regulação do nível de emancipação da sociedade. Trata-se de uma realidade onde quer que o terrorismo tenha sido capaz de manifestar seu poder. A aproximação da religião em relação ao poder político é uma questão-chave nas profecias.
Quando se fala das predições bíblicas relativas ao fim dos tempos e sua conexão com os poderes políticos ocidentais depara-se necessariamente com Apocalipse 12 e 13. Os adventistas do sétimo dia, desde 1851, relacionam a chamada “besta de dois chifres” (Ap 13:11) ao poder americano. Com sua aparência de “cordeiro”, a besta de dois chifres se encaixa muito bem com a nação americana, originalmente fundada sobre princípios republicanos e protestantes, os quais devem garantir liberdade civil e religiosa.
É importante considerar que, apesar de os adventistas acreditarem que os Estados Unidos sejam o poder representado na besta que surge da “terra” (Ap 13:11), a primeira ocorrência do símbolo “terra” no Apocalipse é positiva (Ap 12:16). João diz que a “mulher” pura (símbolo do povo de Deus) seria perseguida, naturalmente no Velho Mundo, durante 1.260 anos (Ap 12:6, 14). Porém, depois ela encontraria um lugar seguro na “terra”, presumivelmente o Novo Mundo. Ao usar a expressão “a terra, porém, socorreu a mulher; e a terra abriu a sua boca” (Ap 12:16), o profeta usou a palavra “terra” claramente de forma simbólica. Nesse caso, “terra” é um símbolo da América, onde os cristãos fiéis à Bíblia puderam se refugiar longe das garras do “dragão”, símbolo do poder perseguidor encarnado no catolicismo medieval europeu.
Nessa perspectiva, na profecia, a América é primeiramente um aliado do povo de Deus. Foi na América que os protestantes fundaram uma nação sobre o princípio da liberdade de consciência. A Revolução Americana (1776) foi a primeira e a mãe de todas as revoluções modernas, incluindo a Francesa (1789). E a América será uma aliada dos fiéis de Deus, representados pela mulher pura (Ap 12:1), até que essa nação renuncie a seus princípios originais como defensora da liberdade de consciência. Infelizmente, isso está profetizado.
Nesse tempo futuro, a besta de dois chifres, que parece “cordeiro” e que surge da “terra”, entrará em ação como aliada do “dragão” (Ap 13:11). Ou seja, a nação protestante originalmente devotada à liberdade vai se aliar ao antigo poder intolerante. Nisso, a profecia indica que o poder perseguidor vai, de fato, se instalar na mesma região do mundo onde os protestantes fiéis à Bíblia encontraram refúgio. Essa região é definida na profecia pelo símbolo “terra” (Ap 12:16; 13:11).
Ao longo da história americana a emergência de um poder absoluto e perseguidor, no seio da própria nação, sempre foi temida e esperada. Diversos filmes de Hollywood, como 1492: A Conquista do Paraíso, O Novo Mundo e Independence Day, entre tantos, retratam o levantar-se de uma corrente, especialmente no campo da política, capaz de reverter o processo de emancipação e instaurar o caos na ordem do Novo Mundo.
Em 1869, em um discurso intitulado “O lugar de nosso país na História”, o rabino americano Isaac M. Wise declarou que os chamados “pais puritanos”, George Washington e os revolucionários do século 18 foram “instrumentos escolhidos nas mãos da Providência, para girar a roda dos eventos em favor da liberdade para sempre; e eles provaram a dignidade de sua missão, de sua obra imortal”. O rabino acreditava que a propagação dos ideais da Revolução Americana pudesse quebrar as cadeias da opressão em todos os países do mundo. Disse que os autores da Constituição eram sábios em confrontar o destino da nação e honestos para expressar sua plena convicção. Segundo ele, “o povo dos Estados Unidos, ao aceitar essa Constituição, havia formalmente e solenemente escolhido seu destino, para ser então e para sempre o paladino e o porta-voz da liberdade divinamente nomeado, para o progresso e a redenção da humanidade” (citado por Robert N. Bellah, em Broken Covenant: American Civil Religion in Time of Trial [Chicago: University Chicago Press, 1992], p. 40).
Como a nação americana atua para o progresso da liberdade e dos direitos humanos de todas as nações e pessoas sem privilégios no mundo, é importante reconhecer, como fez Ellen White, que a mão de Deus guiou muitos dos chamados “pais peregrinos” em suas experiências nas colônias do Novo Mundo. Isso ocorreu porque eles estavam em busca de uma “nova terra” onde pudessem manter a liberdade de consciência e a fidelidade a Deus acima de tudo (O Grande Conflito, p. 291). Esses princípios e valores se tornaram um legado americano para o mundo, e são a marca da bênção de Deus sobre essa nação.
Ellen White disse inclusive que “a maior e mais favorecida nação sobre a terra é os Estados Unidos” e que “a Providência blindou esse país e derramou sobre ele a mais desejada bênção do Céu”, porque, segundo ela, “aqui os perseguidos e oprimidos encontraram refúgio. Aqui a fé cristã em sua pureza foi ensinada” (Spirit of Prophecy [Battle Creek, MI: Steam Press of the Seventh-day Adventist, 1870], 4:398).
Curiosamente, o rabino Isaac Wise também disse que “nada pode deter nosso progresso, nada pode arrastar nosso país para baixo de seu lugar de destaque na história, exceto nossa própria maldade realizando uma deserção voluntária de nosso destino, a deserção do ideal de liberdade”. Ele acreditava que, contanto que o povo dos Estados Unidos se apegue a esse ideal de liberdade, “esse povo permanecerá em honra, glória, riqueza e prosperidade” (citado por Bellah, 1992, p. 41).
No entanto, as mudanças na cultura norte-americana, nas últimas décadas, sinalizando um apego crescente às liberdades pessoais não para servir a Deus, mas para o prazer (drogas, sexo, rock and roll) indicam que essa “deserção” pode ser uma realidade iminente. Por outro lado, a troca da liberdade pela segurança no contexto do terrorismo mostra que esse povo não mais parece solidamente firmado nos antigos ideais. Nisso, os americanos são seguidos por grande parte do mundo ocidental.
De fato, a liberdade só pode ser mantida mediante permanente vigilância. Além disso, só é preservada se for bem utilizada.
VANDERLEI DORNELES, pastor e jornalista, é doutor em Ciências pela Escola de Comunicação e Artes (USP), onde defendeu tese sobre os aspectos mitológicos da cultura norte-americana. Autor dos livros O Último Império e Pelo Sangue do Cordeiro, entre outros, atua como redator-chefe associado na CPB
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